O Enade e seu (con)texto político

O Enade é parte de um Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), imposto por medida provisória, e posteriormente foi instituído pela Lei Federal nº 10.861 de 14 de abril de 2004. Sua regulamentação e a constituição da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) se deram de forma centralizada a arbitrária, onde o atual governo simplesmente regulamentou o antigo Provão da época FHC, dando mostras de seu puro e simples continuísmo. Reproduz a nível geral, portanto, a mesma estrutura arcaica e antidemocrática que se faz presente no interior de cada universidade brasileira.

O Enade é composto por duas avaliações (uma com conteúdo específico de cada curso e outra de conhecimentos gerais aplicadas a todas as graduações) e um questionário socioeconômico. As coordenações de curso decidem e convocam estudantes que estão terminando a graduação para realizar o exame, aplicado aos sábados, com o objetivo de comparar o `nível´ acadêmico de quem entra e sai da universidade. Vale lembrar que caso o estudante não compareça ao Exame pode ser impedido de retirar o seu diploma universitário e o dirigente que se recuse a aplicar o exame pode ser destituído pelo MEC. Além disso, uma vez que é componente curricular obrigatório, o Enade define por sobre a instituição de ensino superior a natureza e o caráter dos currículos e das prioridades de formação.

Portanto, podemos realizar várias críticas ao Enade:

Primeiramente, o conteúdo ideológico da prova de conhecimentos gerais, aplicada em 2011, onde os estudantes tiveram que elencar as vantagens do Ensino à Distância, culpar o nível de escolaridade dos trabalhadores pelas taxas de desemprego, culpar os indivíduos que protestavam por melhorias pelos problemas sociais na Inglaterra, dentre outros.

Segundo, à sua obrigatoriedade (que faz com que o estudante que não compareça ao exame aplicado num sábado perca seu direito ao diploma) e a desconsideração dos aspectos sociais regionais, pois a prova aplicada a todas as universidades do Brasil é a mesma, desrespeitando, assim, as diferenças curriculares que atendem as necessidades específicas de cada região. Temos que lembrar que o movimento pelo Boicote ao Enade derrubou a presença da nota do curso no diploma dos formados que atendia demandas mercadológicas na entrada dos estudantes no mercado de trabalho.

Mas a principal crítica a este Exame é seu caráter produtivista e punitivo, igualando as universidades públicas e privadas, comparando-as e ranqueando-as para, segundo a lógica de “eficiência” e “produtividade” do mercado definir o que presta e o que não presta. Àquelas universidades que não se adéquam a esse modelo único, o MEC pune com corte de verbas. Àquelas que difundem e estimulam a concorrência e o individualismo o MEC recompensa, e ainda premia os estudantes com melhor desempenho com bolsas e outras oferendas. Em vez de garantir o direito do estudante à assistência estudantil para mantê-lo de forma digna na faculdade, o governo promete algumas esmolas e, assim, joga estudante contra estudante numa disputa entre vítimas e não contra o inimigo comum – que é o próprio Estado que implementa estas políticas.
Portanto, o Enade não se configura como uma avaliação que serve aos interesses dos estudantes comprometidos com a Universidade Pública e Gratuita. O objetivo do Enade, como parte da “reforma”, é abrir alas para a privatização e o corte de verbas públicas; é isentar o Estado sobre a qualidade do ensino e empurrar esta responsabilidade para os próprios estudantes, que não formulam as políticas educacionais e não têm qualquer direito de intervenção sobre estas.
Não obstante aos verdadeiros propósitos do Enade, a razão do recente ocorrido não está somente na aplicação da prova, mas no próprio departamento de filosofia. A reclamação dos professores sobre o suposto “boicote” planejado pelos alunos de filosofia no ano de 2011 aparenta ser mais um reflexo do desinteresse geral entre os estudantes em relação aos assuntos relativos ao curso.

Mas onde repousa a razão última deste desinteresse?

A metodologia pouco pedagógica faz com que haja uma negligência e falta de explicações sobre temas e termos específicos da própria área de filosofia, impossibilitando que o aluno crie referências sobre os assuntos abordados em sala, dai resulta que, diante destes entraves, os alunos se desinteressam pelo curso e busquem trancá-lo, evadi-lo ou ainda o remanejamento para outros cursos (Vale lembra que a graduação de Filofia tem a maior índice de evasão da UFPR).
A ausência de diálogo com outras áreas do conhecimento só faz reforçar ainda mais a máxima de que o assunto da filosofia continua a ser ela mesma. Seguindo este método de ensino de filosofia encerrada em si mesma, o departamento pressupõe que os calouros ingressantes no curso possuam um vasto conhecimento de matérias como: antropologia, psicologia, sociologia, e principalmente idiomas, algo que não ocorre, pois, muitos calouros são oriundos da agonizante escola pública.
Professores que não apresentam ementas para as suas disciplinas, não cumprem os prazos para entrega das notas e trabalhos, reprovações em massa ultrapassando o limite da universidade, sem contar as inúmeras denúncias de assédio moral e sexual que ocorrem, porém os estudantes se calam para não correr o risco de retaliação pelos professores. A Biblioteca do Setor de Ciências Humanas é escassa, faz com que os estudantes gastem muito com xerox ou depender da Biblioteca do Setor de Ciências Jurídicas para conseguir estudar os textos exigidos pelos professores, quando conseguem.

Logo, qual o posicionamento dos estudantes de Filosofia sobre o Enade?

Em Assembleia Geral dos Estudantes de Filosofia da UFPR, foi instituída uma comissão para redigir esta carta, para realizar a crítica ao Enade e os problemas cotidianos que enfrentamos, e principalmente para APOIAR OS ESTUDANTES QUE BOICOTARAM O ENADE EM 2011, INDEPENDENTE DAS MOTIVAÇÕES.

Portanto, os estudantes deixam claros seus posicionamentos:

– Não a retaliação aos estudantes que boicotaram o Enade!, proposta interna dos professores do departamento.

– Pelo direito ao boicote ao Enade!, pois o boicote é um posicionamento político válido com tudo que consideramos nesta carta.

– Contra a qualquer forma de criminalização do Movimento Estudantil!, prática comum que ganhou força depois da greve geral da educação em 2012.

Exigimos também, a participação estudantil na relação do Departamento com a Comissão do MEC, que virá devido à baixa nota no exame de 2011. Pois, desde 2012, o Centro Acadêmico de Filosofia promoveu uma cultura de participação ativa dos estudantes nas questões políticas-acadêmicas, onde todos podem participar da gestão com direito de voz e voto, de modo horizontal e aberto.