O acesso à educação de qualidade no Brasil tem sido um privilégio histórico de uma parcela muito pequena da população brasileira. Não é recente em nossa história a presença das classes populares nas carteiras das salas de aula. Contudo, a lógica ainda predominante na sociedade capitalista em que vivemos é: existem uns que nascem para pensar, e aí mandar, com formação escolar ampla (de suposta qualidade), e outros para trabalhar, e então obedecer, com acesso à educação precária. Esta divisão não pode continuar.
Atualmente, as disciplinas de Filosofia e Sociologia voltam a sofrer ataques por meio da mídia empresarial que, na disputa dos rumos da educação no Brasil, defendem um ensino voltado desde cedo às demandas pela “fabricação” de mão-de-obra como se a força de trabalho não tivesse direito a uma formação integral, que contemple todas as dimensões do conhecimento e da cultura historicamente produzidos.
Secretarias de Estado de Educação pelo Brasil vem tentando reduzir a carga horária de Sociologia e Filosofia para apenas uma aula semanal. O Paraná, tristemente aí se inclui: o Parecer 25/12, aprovado em 15/02/12, pelo Conselho Estadual de Educação, instituiu que no curso de Formação de Docentes (antigo magistério), as aulas de Sociologia e Filosofia devem ocupar apenas uma aula semanal cada. Neste parecer, regulamentou-se, também, o ensino de Libras. No entanto, o que nos chama a atenção é que a redução do número de aulas de Sociologia e Filosofia não se deu sob o argumento da inclusão do ensino de Libras, mas, segundo a justificativa do voto da relatora Darci Perugine Gilioli:
No momento em que os alunos brasileiros em todas as avaliações externas e internas, vem apresentando índices de desempenho abaixo do esperado, é fundamental que o restante da carga horária para composição da Matriz Curricular, mantenha em nível condizente, a oferta da Língua Portuguesa, Ciências Exatas e Ciências da Natureza.
Chama a atenção na justificativa do voto, o fato das disciplinas de Ciências Humanas, Arte e Filosofia “desaparecerem” diante da necessidade de se “elevar o desempenho dos alunos”. As disciplinas de História e Geografia foram simplesmente ignoradas. Será que esqueceram delas? Será que Filosofia e Sociologia não contribuem para melhorar o desempenho escolar dos alunos? Não servem sequer aos que vão se tornar professores, se formar como docentes?
Existe uma grande preocupação em se elevar os indicadores educacionais. Porém, o grave problema do analfabetismo funcional -apontado como um dos fatores que rebaixam os índices nas avaliações sobre educação- não será resolvido com ênfase num ensino estritamente gramatical. Será mesmo então que os conhecimentos de Filosofia e Sociologia não contribuem para o domínio técnico da língua, nem para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da capacidade de análise? Claro que sim: por isso defendemos “o caráter formativo e cultural da Filosofia [e da Sociologia] e a importância da presença destas disciplinas no currículo escolar, garantindo-se, assim, aos estudantes o direito ao conhecimento que ambas (a Filosofia e a Sociologia) proporcionam” (trecho da Carta do V Coletivo de Professores de Filosofia do Paraná, 2010).
Apelos acerca “da elevação de índices de avaliação dos alunos” como justificativas para se reduzir cargas horárias de disciplinas de Ciências Humanas, Arte e Filosofia, não se configuram como ações isoladas, pois outras redes de ensino, públicas e privadas, federais e estaduais, em resposta à obrigatoriedade determinada pela Lei nº 11.684/08 (que instituiu -após anos e anos de mobilização e luta de trabalhadores e suas organizações- a obrigatoriedade de Sociologia e Filosofia em todas as séries do ensino médio regular e técnico) têm apresentado configurações semelhantes na formatação das suas matrizes curriculares. No caso das escolas privadas, temos notícias, inclusive, do não cumprimento da Lei citada, com as disciplinas de Filosofia e Sociologia sendo substituídas por outras que não mantêm qualquer relação com os conteúdos por elas oferecidos, assim como, consequentemente, não garantem a contratação de docentes com formação qualificada.
Rechaçaremos qualquer medida que vise reduzir a oferta das aulas das disciplinas de Filosofia e de Sociologia ou sua dispersão por outras disciplinas, fazendo retornar seu tratamento “transversal”. Acrescentamos que nenhuma disciplina pode ser ofertada com qualidade sem a garantia da presença de professores qualificados e de um mínimo de duas aulas para o seu desenvolvimento. Somente assim, a Filosofia e a Sociologia não seriam ofertadas de forma diluída ou esparsa, tornando praticamente sem efeito os objetivos aprovados na referida Lei que modificou a LDB, determinando a obrigatoriedade dessas disciplinas. Conforme já expresso na carta do V Coletivo dos Professores de Filosofia do Paraná realizado em 2010, torna-se necessário também:
Repudiar, nos estabelecimentos que optaram pela organização do Ensino Médio por Blocos e nos cursos de Educação de Jovens e Adultos da Rede Estadual de Educação do Paraná, a diminuição da carga horária da disciplina de Filosofia e [Sociologia], em relação às demais disciplinas, no Ensino Médio, uma vez que não há argumento plausível que possa sustentar a prevalência de uma disciplina sobre outra;
Entendemos que a problematização sobre a quantidade de aulas deve estar centrada na equidade entre as diversas disciplinas do currículo, e não na diminuição de disciplinas que estão sendo reinseridas na grade. Cabe relembrar: o retorno de Sociologia e Filosofia ao Ensino Médio (retiradas pela ditadura militar) é resultado de uma luta histórica pela democratização do país e pela qualidade da educação a que a sociedade brasileira tem direito. Não aceitaremos passivamente qualquer redução no número de aulas, pois isso implica em piorar as condições já desumanas de trabalho (mais turmas e deslocamentos para o professor, menos tempo ainda para preparação de suas aulas)! Nenhuma disciplina deverá ter menos de duas horas-aulas semanais!
Exigimos ainda que a Deliberação 03/08 do Conselho Estadual de Educação, que no seu artigo 6º afirma que aulas de Sociologia e Filosofia devem ser ministradas apenas por profissionais licenciados nessas disciplinas, seja efetivamente cumprida. Tal medida não tem sido seguida por núcleos regionais de educação e diretores de escola. Alertamos:
(…) para a necessidade da superação de contratações precárias sob a ótica da preparação acadêmica, avalizadas por resoluções secretariais, às quais permitem que professores do Quadro Próprio do Magistério e temporários da Rede Pública Estadual do Paraná, licenciados e/ou habilitados em outras áreas de formação, ministrem aulas de Filosofia [e Sociologia], inclusive nos cursos de Formação de Docentes, bastando que em seus respectivos históricos acadêmicos conste a carga horária de 120 horas da disciplina (Carta do V Coletivo de Professores de Filosofia do Paraná, 2010)
O fato das aulas de Sociologia e Filosofia não serem ministradas por Licenciados nas respectivas áreas contribui para deslegitimar essas disciplinas no currículo, precarizando, na prática, o processo de ensino. Por exemplo: o concurso público de 2007 não ofertou vagas para a disciplina de Sociologia, não se atendendo a demanda que existia. No último e único concurso de Sociologia (de 2004) foram contratados 165 professores com carga horária de 20h para o Estado do Paraná. Atualmente, segundo levantamento feito por nós, seriam necessários cerca de 232 professores com carga horária de 20h apenas para atender apenas a demanda de Sociologia, só em Curitiba.
Não se trata aqui de uma disputa “corporativa” de uma disciplina contra outra. Entendemos que não há áreas de conhecimento que se sobrepõem sobre outras, como se entre os saberes houvesse naturalmente graus de maior e de menor importância. Trata-se antes de uma discussão mais ampla sobre qual currículo escolar deve propiciar ao aluno um conhecimento amplo sobre os saberes produzidos historicamente pela humanidade, permitindo-lhe a possibilidade de desenvolver sua autonomia intelectual, sua formação crítica. Nos preocupamos com uma concepção de educação emancipadora, que eduque para o exercício pleno da cidadania e da vivência, com o respeito à diversidade e à alteridade.
Frente à posições tecnicistas de educação afirmamos que não reduzimos o compromisso social da escola à utilidade econômica do ponto de vista puramente capitalista, não aceitamos que os auto-denominados porta vozes dos “interesses da sociedade” voltem à exigir que a escola, tal como uma empresa, se adapte às “exigências do mercado” no pressuposto que somente assim ela seria útil. Pelo contrário, é preciso que a escola garanta a todos o acesso a um patrimônio do qual as elites vem usufruindo desde sempre.
Seguem abaixo nossas reivindicações:
- Reivindicamos que a SEED realize imediatamente Concurso Público para todas as disciplinas e, em especial, para Filosofia e Sociologia, para o preenchimento de vagas reais, para suprir a demanda destas disciplinas em todas as escolas públicas que ofertam o ensino médio!
- Nenhuma disciplina com menos de duas aulas semanais! Que se revogue o Parecer 25/12 do Conselho Estadual de Educação e que todas as disciplinas da matriz curricular tenham o mínimo de duas aulas semanais, conforme já definido pela Instrução Normativa nº 021/2010-SUED/SEED afirmando que a Matriz Curricular deve obedecer ao princípio da equidade, “uma vez que não há fundamento legal ou científico que sustente o privilégio de uma disciplina sobre a outra, o que se deduz da leitura das Diretrizes Curriculares Estaduais”
- Cumprimento do Parecer 03/08 do Conselho Estadual de Educação que determina que aulas de Sociologia e Filosofia devem ser ministradas apenas por profissionais licenciados nessas disciplinas!
- O Coletivo de Professores de Filosofia e Sociologia de Curitiba e Região Metropolitanareafirma que a presença da Sociologia e Filosofia no currículo do ensino médio faz parte da luta em defesa da escola pública de qualidade!
Curitiba, 03/03/2012.
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Esse manifesto foi redigido pela Coordenação do Coletivo Regional de Filosofia e Sociologia eleita no dia 03/03/2012, no auditório do Núcleo Sindical Curitiba Norte, em reunião que contou com a presença de 94 pessoas. Estiveram presentes dirigentes da APP-Sindicato de três núcleos sindicais (Núcleo Sindical Curitiba Norte, Núcleo Sindical Curitiba Sul e Núcleo Sindical Metropolitano Sul), de um diretor e um assessor da direção estadual da APP-Sindicato, de professores de Sociologia e Filosofia de dezenas de escolas de várias regiões de Curitiba e Região Metropolitana, de membros do NESEF (Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre o Ensino de Filosofia-UFPR), de um professor do ITFPR e estudantes de Licenciatura em Ciências Sociais e Filosofia da UFPR e da PUC-PR.
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