Carta Aberta do NESEF, entidades parceiras e coletivos de professores das disciplinas das Humanidades à Comunidade Educacional, em apoio às Professoras Valéria Arias, Adriane Sobanski e Mirian Freitas de Paula, vítimas de ato que pode vir a ser caracterizado como assédio moral e perseguição política, nas dependências da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED).
Curitiba, domingo, 15 de junho de 2014.
Histórico
1. Nos dias 9 e 10 de junho de 2014, as referidas Professoras foram, a princípio, pela Chefe e Coordenadora do Ensino Médio,. defenestradas sumariamente, sem exposição de motivos consistentes, a não ser o fato de “não estarem felizes” e “serem resistentes” às políticas do Departamento da Educação Básica (DEB), o qual, segundo as chefias, passaria por uma reestruturação.
2. Antes mesmo de serem “avisadas” formalmente, tiveram seus acessos aos computadores (incluindo a rede interna, os seus arquivos pessoais, salvos em pastas em suas áreas de trabalho, e contas de e-mails), bloqueados.
3. Segundo relatam as professoras, a situação foi, após várias argumentações, parcialmente revista. Dessa forma, foi ajustado o pedido de afastamento sumário (já que não houve falta que justificasse o não respeito aos trâmites administrativos usuais) e a ordem para cancelamento do acesso aos computadores, já que a presunção implícita, por parte da Chefe e da Coordenadora do Ensino Médio , conforme argumentou a Chefe na ocasião, de que as Professoras iriam cometer atos ilícitos tão logo soubessem do afastamento, é abusiva e, da mesma forma, o seqüestro dos documentos pessoais e o bloqueio do e-mail institucional, configura-se em ato passível de ser objeto de representação administrativa e judicial.
4. Assim que houve a concordância verbal de revisão parcial das ordens, as Professoras foram orientadas a fruir os dias de férias que tinham de saldo e, com mais tranqüilidade, organizar suas vidas funcionais. Para uma delas, a Professora Valéria
Arias, foi concedida, ex oficio, (Protocolos 13.225.663-0 e 13.225.625-0) a pedido, uma licença-prêmio, cuja Portaria deve ser liberada nos próximos dias. Por seu turno, a Professora Mirian Freitas de Paula foi convidada a prestar serviços no GAS, onde se encontra trabalhando, sem alteração de suprimento, desde o dia 12 de junho. Já a Professora Adriane Sobanski, na presente data, ainda aguarda a contagem oficial de seus dias de saldo de férias Quanto aos arquivos e acesso aos e-mails, os técnicos do setor de informática, compareceram ao Departamento e, na presença das Professoras e de toda a Equipe, localizaram suas pastas originais, providenciaram novas senhas e realizaram os procedimentos necessários para que elas, também na presença de toda a Equipe, organizassem seus materiais pessoais e profissionais.
5. Todos esses movimentos, segundo as Professoras, exceto a comunicação, sem nenhuma conversa anterior, de que a partir daquele momento não mais pertenciam ao DEB, ocorreu à vista de todos os colegas. Sendo que as Professoras Valéria Arias e Miriam Freitas de Paula, ainda passaram pelo constrangimento de serem inquiridas pelos técnicos do Grupo de Recursos Humanos, sobre o que teriam feito de tão grave, que motivasse esse tipo de procedimento. Para efeitos de comparação a ordem que foi dada, equivale, na iniciativa privada, à demissão por justa causa, presumindo-se, assim, uma conduta abusiva ou criminosa, da parte das Servidoras.A este respeito as Professoras argumentaram que, recentemente, o DEB preencheu suas avaliações de desempenho, nas quais obtiveram notas máximas em todos os quesitos, fato que comprova sua atuação profissional correta, não justificando a atitude extrema tomada inicialmente.
Posicionamento do NESEF e demais coletivos
1. É sabido por toda a Comunidade de Professores das Humanidades, sobretudo os de Filosofia, Sociologia e História, que Valéria Arias e Adriane Sobanski, respectivamente doutorandas em Educação Filosófica e Educação Histórica, representam sim, na condição de Funcionárias Públicas de Carreira da Educação Paranaense, vozes críticas a determinadas políticas/ações educacionais em curso e/ou em fase de planejamento, tanto na esfera estadual, como na federal. Dentre elas:
• a diminuição da carga horária das disciplinas da área de Humanidades nas matrizes curriculares do Ensino Médio;
• a organização do currículo por Áreas, Componentes Curriculares ou Projetos;
• a oferta de formação continuada predominantemente na modalidade EaD;
• o excesso de parcerias público-privadas dos programas federais e estaduais;
• os critérios pouco transparentes para a distribuição de bolsas do Governo Federal, no âmbito das Secretarias Estaduais e Municipais, para coordenadores e supervisores das políticas nacionais nos estados e municípios;
• a paulatina caracterização da EJA como política de certificação e não de formação presencial, flexível e adequada às características dos educandos dessa modalidade.
Ora, o exercício do debate entre posições contrárias e/ou contraditórias, a busca por consensos possíveis, o estudo acerca das formas mais adequadas de proposição e implementação de políticas educacionais, sobretudo a partir da redemocratização do país, pós 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, sempre fizeram parte da agenda das políticas educacionais. Dessa forma, gestores, equipes técnicas, professores e sociedade civil, costumam, segundo as diretrizes do estado democrático de direito, ouvir-se mutuamente, sem que isso implique em represálias e/ou perseguições por parte de quem detém o poder.
2. É sabido, também, que as Professoras, especialmente Valéria Arias e Adriane Sobanski, defendem publicamente a concepção disciplinar do currículo, tal como expresso nas DCEs do Paraná, o Livro Didático Público e uma série de conteúdos formativos disponíveis no Portal Dia a Dia Educação, enquanto Documentos Orientadores e recursos didáticos valiosos para a elaboração dos planejamentos e planos de ensino. A esse respeito, poucos dias antes do defenestramento, as Professoras (junto com outros profissionais das disciplinas de Humanas) participaram de Escolas Interativas, nas quais a concepção que dá sustentação à semelhante defesa foi abertamente exposta e encontravam-se (até, pelo menos, a presente data) disponíveis no youtube e no Portal Oficial do Estado).
https://www.youtube.com/watch?v=9ilmDYBmp9Q&noredirect=1e https://www.youtube.com/watch?v=o7idyz27ElE
Sendo, portanto, no mínimo incoerente que elementos da “resistência” das Professoras, fossem, ao mesmo tempo, utilizados como base de uma formação ofertada pela Secretaria e causa de seu afastamento sumário, depois parcialmente revisto, desse mesmo órgão.
3. Em sendo as Professoras, não apenas técnicas burocráticas, a serviço de um governo mas, antes, intelectuais e profissionais da Educação desse Estado, duas
delas, integrantes da Comunidade Acadêmica, não podemos ignorar que o ocorrido têm implicações institucionais mais amplas.
4. O NESEF e o grupo de Educação Histórica têm realizado, em conjunto com a SEED, cursos de formação e outras atividades (tais como as Olimpíadas Filosóficas, Simpósios e cursos específicos, os quais, inclusive, são certificados pelos mencionados Núcleos, ambos vinculados à UFPR).
5. No caso do NESEF, a parceria pública, vem desde o ano de 2001, quando a Professora Valéria Arias assumiu suas funções na SEED, sendo, por acordo firmado entre a, então, Secretária de Estado e o, então, Chefe da Educação Básica, a primeira representante da disciplina de Filosofia nessa instituição, fato que é registrado em vários estudos sobre política para o ensino de Filosofia na Educação Básica. A partir de 2003, a parceria, firmada por um termo de cooperação acadêmico-técnica, ou seja, sem obrigações financeiras de parte a parte, gerou dezenas de atividades em conjunto, duas delas, inclusive, em andamento.
6. Embora fortemente abaladas psicológica e fisicamente, as Professoras nos informaram que não serão intimidadas e, muito menos, permitirão que suas carreiras sejam prejudicadas mediante o ato hostil que, diante de dezenas de espectadores, sofreram. Nesse sentido, têm todo nosso apoio, assim como o apoio das centenas de professores que representamos e das várias instituições que, por intermédio das atividades dos Núcleos e de seus parceiros institucionais (tais como a Revista do NESEF Filosofia e Ensino, a oferta de curso de especialização latu-sensu, as atividades do LAPEFILOS, o Cine Clube NESEF, a rede latino-americana de pesquisadores da Filosofia da Libertação, etc.). Sabemos que, em casos como esse, a devida reparação é difícil, sobretudo porque os quadros da administração pública desse Estado não são profissionalizados e respeitados no seu próprio âmbito, sobrevindo a confusão entre Estado e Governo. Essa situação, não raro, submete funcionários de carreira, com anos de serviços prestados a um determinado órgão, às vontades pessoais de eventuais chefias. Junte-se a isso, o fato incontestável da dificuldade desses funcionários para solicitar reparações, pois, em geral, os profissionais que testemunham as ocorrências estão, também eles, submetidos à mesma ordem hierárquica, o que, evidentemente, é passível de gerar constrangimentos e coações.
Por fim, informamos que estamos tentando agendar uma reunião com a Superintendente da Educação, para sermos informados acerca das disposições da Secretaria no sentido da dissolução ou da manutenção das mencionadas parcerias. De qualquer forma, repetindo o que nos relataram as Professoras Mirian F. de Paula, Valéria Arias e Adriane Sobanski, queremos acreditar que o ocorrido, e, principalmente, a forma como ocorreu, “não representa os valores do conjunto dos profissionais e gestores da SEED, sendo, portanto, expressão, tão somente, da atitude da Chefe e da Coordenadora do Departamento da Educação Básica”.
Com base no exposto, vimos publicamente solicitar uma reunião, se possível aberta, em data factível aos interessados, entre as Professoras, o NESEF, seus Coletivos e instituições parceiras, membros do Grupo de Educação Histórica e a Superintende da Educação, que sempre nos dispensou tratamento condigno e perfeitamente adequado à importância do cargo que ocupa, para, juntos, de forma tranqüila, racional e democrática, possamos estudar o caso e entendermos suas motivações e avaliarmos suas implicações administrativas, pessoais e legais.
Por hora, comunicamos toda a nossa solidariedade e respeito às Professoras.
Que se mantenham fortes e sigam na luta pela qualidade da Educação Pública e pelo respeito aos direitos de todos os profissionais que nela atuam.
NESEF/UFPR respectivos coletivos e instituições parceiras
IFIL e coletivo de suas representações junto ao NESEF
Membros do Grupo de Educação Histórica/UFPR
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